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Hoje o Rio amanheceu de luto. O sol foi engolido pelas nuvens como o grito pelo tricolor. A esperança desvaneceu. Nesses dias de espectativa pré-decisão fui indagada:
- Desde quando você assiste a jogo?
- Eu não sabia que você gostava de futebol.
A questão é mais complexa do que simplesmente gostar ou não gostar. Venho de duas gerações conseguintes de mulheres graduadas em Educação Física pela UFRJ. Minha vó, já na década de 30 corria nas quadras. Quando pequena, eu não faltava à uma aula de suadouro na escola – e olha que tinha que madrugar pra comparecer. Treinei por anos no time de handbol da escola. No segundo grau também joguei no de futebol de salão. Fiz diversos gols. Posso ser considerada uma espectadora minimamente iniciada. Mas torcer por futebol no Brasil é uma história que vai mais longe.
Tenho pavor do fanático por futebol tanto quanto do religioso. Há casos de perda total de racionalidade e bom senso. Lembro de um maluco – louco mesmo! – que parecia ter uma única certeza na vida: o amor pelo Fluminense. Como segurar um desses na noite de ontem?
Outra coisa que não me apetece é essa farofa de time de bairro. Um do lado do outro se odiando por causa de uma coisa idiota. É tudo carioca, folgado igualzinho. Se é bom enquanto dura, não tem que ser ruim depois. Que mania de estragar a brincadeira no final!
Tem mais. Devo confessar aqui que faço parte do grupo mais desprezado pelos torcedores de futebol: eu sou vira-casaca. Sou como um ateu para o muçulmano, ainda pior que um judeu. Eu sou a escória da raça. A inocência infantil fez com que me convencessem não só que eu deveria ter um time, como de que este só poderia ser o Flamengo. O mesmo cara que treinou o Flu pra final da Libertadores me seduziu há muitos anos atrás. Sai fora, urubu. Se existe livre-arbítrio, eu quero é gol de barriga.
O desfecho da partida de ontem no Maracanã foi trágico. Eu só não me conformo com o carioca que fica feliz com isso. Que prazer sádico! É por isso que eu gosto mesmo é de jogo do Brasil, todo mundo no mesmo balaio! Mas o Rio se sentiu traído. E nada me tira da cabeça que esse tempo nublado é uma vingancinha da cidade. Hermanos, fiquem com o título, mas hoje vocês não vão comemorar na minha praia!
Tenho percebido um certo sorriso cínico constante em mim. São instantes de felicidade simples. Ainda que esteja a cabeça com problema escorrendo pelo ladrão, resiste a tal covinha discreta.
Às vezes lembro de momentos gostosos e me pego quase gargalhando, gritando na rua. Só percebo quando alguma alma pesada me lança aquele olhar de recriminação. Se é pecado ser feliz, eu disfarço. Tiro meu sorriso do caminho e deixo os doloridos passarem reto. Atravesso a rua.
Astros têm me facilitado a vida. Domingo fez um sol delicioso. Lá pelas duas da manhã a casa de infinita areia fez-se paraíso. Era tanta estrela, que a lua nova se tornou óbvia por dedução lógica. Mas como não há lógica na vida do céu, fomos maravilhosamente surpreendidos. Surgiu sorrindo para pobres mortais, ela. Minguante, prateada, deitada, o próprio sorriso do gato da Alice. Nós num mundo de simples maravilhas.
Dia de serão é dia de chegar em casa cansado. Errado! É dia de chegar em casa bêbado. Gente... Quem sai de uma jornada de mais de 10 horas de trabalho e simplesmente encara o travesseiro resignado a acordar no dia seguinte e cair no batente de novo?
Ontem foi dia. Vernisage, boa noite, boa noite, sim senhor, sim senhora, afe! Tem hora que o sorriso cansa, que ser simpática cansa. Aí o que se faz? Cai-se num buraco esquisito cheio de gente meio estúpida. Batata pra se sentir o modelo de educação.
Assim foi a nossa ida ao Sal y Pimenta, um videokê gay bizarrinho na Lapa. Videokê é difícil fugir do trash, mas esse nem tentou. Uma drag com um coque de dreads coordenava o circo da cantoria. Vinham umas figuras sem noção ne-nhu-ma! Rolou até aquela fossa que só o Rei consegue. Ana Carolina bombando me enjoou um bocado. Mas eu não perdi o rebolado!
A cornitude tava solta no salão quando resolvemos dar um novo rumo pra discotecagem. A nossa galera já era uma piada. Os pessoal do O Dia em peso: Guil, Karlinha e o digníssimo Rafael, Manuelle, Bia... Kamille vinha com 3 gringos à tira colo. Um deles tava de gatinho dela. O gay ficou soltinho no bailado e o terceiro perdidinho, tadinho. Outra figura foi a Érica Martins que fez uma bichinha feliz quando topou que ele tirasse uma foto nossa. Pois é... Até isso rolou. Posamos!
Nosso grande momento chegou depois da drag furar um pouquinho a fila pra gente. A esta altura nosso povo estava infernizando, cantando uma atrás da outra. “Leila!!”, ela gritou. “C’est moi”, respondia à altura. Entre nós duas não cabia nem a peruca dela, então agarrei de imediato o microfone. Guilherme e Karlinha se aprochegaram.
Primeiro acorde e ninguém conseguiu entrar no tom. Muito engraçado! Foi o “Ohhhhh Darling” mais xoxo que já ouvi. Em compensação, daí pra frente foi só show! Nos esgoelamos na música que mas parece um grito de desespero: don’t, don’t ever leave me alone, John!!!! Soltamos todos os nossos demônios ali. Demos uma gotinha de beatelícia a cada pentelho cantador de Ana Carolina, essa consequência maldita do sapatomusic niteroiense que pegou a barca.
Mas eu senti o amargo da revolta foi na torcida do Tropa de Elite. É nessas horas que vagabundo se enche e diz: 'Por que não colocaram ele? Tinha muito mais chance!' Precisa mesmo responder??? Fala sério...
Foto 1: Aluizio FreireNada pior do que a véspera da folga. Quando a hora do descanso chega é porque relamente estamos precisando. Os instantes caminham de trás pra frente em direção ao último minuto de resistência. Mas tudo começa quando é preciso abrir os olhos e levantar. Sim, levantar.
Nasce, sobrevivente, esse dia medonho. Alma rebelde, suja e maldita. É... ontem foi longe demais. Quase no limite, o corpo protesta. Tenho que obedecer. Sem ele não saio daqui. Dou-lhe dez minutos de cama, cinco deitada, cinco sentada. Respiro profundo.
Inevitavelmente ganho as ruas. Nessas horas os óculos escuros são essenciais. Penso que podia ser pior minha existência sem eles. Sorrio iludida. O raciocínio não presta nem pra atravessar uma rua. Conto com a sorte.
Alcanço o ponto de ônibus e me encaixo no banco entre dois velhinhos. Um sai. Às vezes me acho assustadora, tenho a impressão que afugento pessoas. Bobagem. Malucos eu atraio. E velhinhas simpáticas florescem em pedras portuguesas que é uma beleza:
- Está muito calor. Você também está sentindo?
- Ah, sim. Está muito abafado - respondo.
Penso que aquela pergunta poderia ter saído de uma mente quase culpada pela menopausa. Depois penso que não. Ela acordou querendo papo, isso sim. Eu ainda estou dormindo, esperando sentada que alguma nave espacial me tire daqui. De repente, passa desfilando frente à nós duas uma mulher. Do alto de sua imensa bizarrice, o lourão carcumido trajava oncinha e exibia grandes porções de sua carne.
- Esta moça, coitada. Ela deve ter algum problema. Eu a conheço de vista.
- É... eu também - arrisquei.
Contos do inimaginável túnel do tempo da vida... Teve um tempo em que Paloma, Fernandinha e eu fazíamos umas noitadas estranhíssimas em que caminhávamos boa parte da orla de São Francisco e Charitas. Numa dessas foi em que vi uma das cenas mais assustadoras da minha vida a poucos passos de distância. Local frequentado por seres fora do mapeamento biológico da existência, o The Best é uma casa de jogos com aquelas maquininhas hablantes além das micro-mesas de sinuca. Passávamos à frente da porta.
Eis que surge um homem lá de dentro trazendo uma coisa loura esperneante agarrada pelo braço. Fosse ela um desenho de história em quadrinho, veríamos caveira, tralha e riscos saindo de sua boca. A realidade sonora, no entanto, transformou a cena no centro das atenções rapidamente. Exposta ao ridículo, a descontrolada foi lançada pra fora pelo homem. Por um instante, a rua ficou perigosa.
Mesmo sem se lembrar do Cazuza, aquele restinho humano declarou em atitude que não poderia causar mal algum, a não ser a ele mesmo. Raivosa e sem dignindade, a louca não hesitou: arriou as calças, mostrou o que ninguém queria ver e esparramou aquele mijo na calçada.
Era ela. Lenda viva em plena aparição. Hoje é dia! Mas, amanhã, estou certa, os fantasmas terão ido embora.
Adoro a Revista Bravo. Cada vez que olho pra uma banca de jornal, é ela que me chama a atenção. Não só pelas imagens, que estão sempre impecavelmente selecionadas e impressas. É pegar rapidamente, ler as breves da capa e não precisa mais nada: eu levo. Fala do que eu gosto de forma saborosa. Mas quando sento pra lê-la é sempre a mesma coisa. A agenda cheia contra a minha revista preferida.